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10/04/2024 às 10:05h

Valorizar a preguiça é essencial para vida plena e produtiva, diz especialista

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O escritor belo-horizontino Fernando Sabino (1923-2004), numa célebre crônica com sabor de ensaio, pleiteava para que a “preguiça” deixasse o rol dos pecados capitais, e convocava todos os preguiçosos do mundo a segui-lo, se a preguiça deixasse. Ele não estava sozinho. O também mineiro Rubem Alves (1933-2014), natural de Boa Esperança, advogava que “a preguiça deveria ser incluída entre as virtudes intelectuais”.

“É nos momentos de preguiça que as revelações acontecem. Quem trabalha duro fica tão ocupado com suas próprias ideias que não tem espaço vazio na cabeça para ideias vindas não se sabe de onde”, escreveu. O gaúcho Mario Quintana (1906-1994) ia mais longe, proclamando, sem papas na língua: “A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda”. Era também o bordão de Macunaíma, anti-herói de Mário de Andrade (1893-1945): “Ai, que preguiça…”, bocejava.

O neurocientista e hipnoterapeuta Thiago Porto incrementa uma camada científica ao discurso dos literatos. “A criatividade, o raciocínio elaborado, a imaginação, a visualização e a motivação são competências e habilidades mentais que dependem de uma disponibilidade e organização do sistema nervoso central para se manifestar. A pessoa com fadiga, cansada, tende a não ser criativa, a ter pouca imaginação”, observa.

Ele explica o fenômeno com fatores biológicos, relacionados à baixa da glicose e do oxigênio no sangue, que acarretariam em uma pessoa “sem energia no corpo”, entrando no estado de estafa, responsável pela perda das capacidades descritas. “Descansar, o chamado ócio criativo, é fundamental para recuperar tais características”, diz, prestando tributo à preguiça, que, todavia, às vezes é confundida.

Diferença


Espreguiçar-se com prazer, curtir o repouso, aproveitar a folga para não fazer absolutamente nada, recuperar as energias, é, na opinião do especialista, diferente da temida e conhecida “procrastinação”. Porto define a passagem da preguiça para a atitude de adiamento infindável das atividades do dia como “uma pegadinha” ao qual é prudente ficar atento.

“A preguiça, muitas vezes, é mal interpretada, ela é um sinal de que o corpo atingiu seu ponto de estafa, e precisa descansar. O que deveria ser combatido é a procrastinação, que é diferente, pois é quando o corpo entra num modo de desligamento, mesmo tendo energia, ou seja, começa a economizar sem ter necessidade”, avalia o neurocientista. Ele utiliza um exemplo para explicitar a importância da preguiça – e seus efeitos numa sociedade que demanda produtividade.

“É fundamental valorizar a preguiça e, para perceber o seu potencial, basta a gente fazer uma analogia com o carro que precisa parar para abastecer. Se o combustível está acabando, não podemos continuar acelerando. É, justamente, o ato de reabastecer que vai proporcionar o aumento da criatividade, da motivação, da imaginação, e, consequentemente, da nossa produtividade”, afiança.

Segundo Porto, “na vida adulta, a performance física e mental, seja na fase de estudos ou do trabalho”, exige que os nossos corpos “estejam cada vez mais descansados”, prontos para responderem ativamente aos desafios da contemporaneidade, que estão longe de serem simples. Na década de 1970, um poema de Paulo Leminski já prenunciava esse estado de coisas, e cujos versos, paradoxais, concluíam: “entre a pressa e a preguiça”.

O neurocientista e hipnoterapeuta Thiago Porto recorre à Teoria da Evolução das Espécies, do cientista britânico Charles Darwin (1809-1882), para ressaltar o papel da preguiça em todo esse processo. “Chegamos até aqui por que gerações anteriores, há milhares de anos, economizavam energia para sobreviver. A preguiça teve uma função vital durante muito tempo, em que não havia tanta oferta de comida, e ter uma reserva de glicose, açúcar, proteína e outros nutrientes, através do descanso, era essencial”, destaca o neurocientista. Para tornar a comparação ainda mais clara, ele se vale de um cenário bastante atual, com referência à indústria dos aplicativos de entrega de comida.

“Naquela época, não havia iFood, açougue, os homens precisavam sair para caçar, não havia como conservar os alimentos, só a proteína, por meio do sal, mas os demais alimentos tinham um tempo de vida útil, por conta do fator perecível dos grãos, das frutas, dos legumes; era necessário estar sempre indo em busca de comida, e, nesses intervalos, quanto mais economia de energia, o que compreendemos hoje como preguiça, maior se tornava a chance de sobrevivência, já que, toda vez que preciso sair para caçar, eu estou me arriscando ”, reforça Porto, com uma análise de ordem lógica. “E, quanto mais energia você gasta, mais energia será necessário repor, não tem jeito”.

Na música “Cada Tempo em Seu Lugar”, de 1989, Gilberto Gil resgata ditos populares, como “a pressa é inimiga da perfeição”, e reverencia Dorival Caymmi (1914-2008), de quem teria recebido um sábio conselho, ao brincar com a ambiguidade sonora contida na palavra “divagar”, sinônimo de entregar-se aos pensamentos sem uma perspectiva pragmática, apreciando a delícia do instante.

A mansidão de Caymmi rendeu uma aura folclórica ao compositor, famoso pela demora em terminar suas canções. A mais repetida conta que ele estava deitado numa rede quando, um ano depois do primeiro verso de “Maracangalha”, encontrou o arremate: “Se Anália não quiser ir, eu vou só…”.

Segundo a lenda, a música lançada em 1956 teria se originado na década de 1940. O neurocientista Thiago Porto alerta para o fato de que a preguiça é causada, sobretudo, “pelas atividades que nos impõem alto consumo de atenção e raciocínio”. “Há, também, os motivos fisiológicos, como aquela preguiça depois do almoço, própria do estado digestivo, em que o fluxo sanguíneo é desviado do cérebro para o estômago e o intestino, e tendemos a ficar com sono”, aponta.

Ele afirma que os “sinais orgânicos de preguiça são bem-vindos”, mas que é preciso atentar-se à “constância da preguiça”, que pode indicar “uma patologia instalada”, como, por exemplo a depressão, quando ocorre “baixa hormonal e nos neurotransmissores”. “Aí, é o caso de investigar”, finaliza.

Com informações Jornal O Tempo

Foto: Espacial FM

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