Os brasileiros estão vivendo mais: em dez anos, a população com mais de 60 anos subiu 14,8% no Brasil, passando de 29,6 milhões para 34 milhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Porém, sem melhorias significativas no estilo de vida, não estão vivendo melhor. Mais de 85% dos idosos residentes no país convivem com pelo menos uma doença crônica, e 15%, com até cinco condições simultâneas. O cenário desafia e eleva os custos tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) quanto na saúde suplementar, reforçando a necessidade de implantação de estratégias para os serviços médico-hospitalares não entrarem em colapso nos próximos anos.
De acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), nos últimos dez anos, o número de beneficiários com mais de 60 anos aumentou 33,4% – eram 6,06 milhões em 2015 e passaram para 8,09 milhões em 2025. O crescimento da demanda superior à alta na população dessa faixa etária não é por acaso. Ela reflete o adoecimento de uma população que passa por um processo de envelhecimento, sem mudar significativamente os hábitos de vida na mesma velocidade.
A pesquisa “Vivendo mais, mas com mais doenças: análise da lacuna entre longevidade e vida saudável na saúde suplementar”, do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (Iess), mostrou que, com o aumento da expectativa média de vida, dos atuais 76,6 anos para 77,8 até 2030, o descompasso entre tempo de vida e anos vividos com qualidade deve aumentar. A alta deve ser equivalente à prevista nos Estados Unidos, país com características epidemiológicas similares às do perfil da saúde suplementar brasileira. Por lá, a previsão é que o tempo vivido sem uma saúde adequada suba de 9,8 anos, registrados em 1990, para 16 até 2035.
“O aumento da expectativa de vida é um progresso extraordinário. Em um passado recente, os brasileiros viviam em média 45 anos. Isso ocorre como resultado do avanço da tecnologia médica para curar ou controlar as doenças. Uma infecção grave antes matava. Agora, com antibiótico ficamos bons em poucos dias. Também tivemos o avanço da medicina diagnóstica, que nos ajudou a postergar o encontro com a morte. Ganhamos em tempo de vida, mas infelizmente ganhamos tempo de vida debilitados, na cama”, explica o superintendente-executivo do Iess, José Cechin.
Esse fenômeno tem sido chamado de “paradoxo da longevidade”, uma vez que as melhorias na medicina de emergência, nos cuidados intensivos e no tratamento de doenças agudas reduziram a mortalidade precoce, mas expuseram os sobreviventes a um risco aumentado de desenvolver múltiplas condições crônicas ao longo da vida.
As doenças crônicas não transmissíveis, como as cardiovasculares, diabetes, câncer, doenças respiratórias crônicas e obesidade (reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como doença crônica desde 1997), são responsáveis por 70% do total de doenças no país. Dados da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), pesquisa nacional feita pelo Ministério da Saúde, mostra, de 2008 a 2023, uma evolução da obesidade de 12,5% para 21,9% entre beneficiários de planos de saúde. Diabetes teve avanço de 5,8% para 9,8%, e hipertensão, de 23,8% para 26,3% no mesmo período. O levantamento mostrou ainda piora em hábitos de vida, como uma redução no consumo de alimentos protetores, como o feijão, e estabilização no consumo de frutas e hortaliças.
O geriatra e diretor da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), Eduardo Cruz, acredita que a saúde no país ainda precisa passar por adequação para atender ao futuro perfil da população. “Pode-se dizer que os planos de saúde e o SUS estão em processo de preparação, mas absolutamente longe de nos considerarmos prontos para a mudança demográfica e a transição epidemiológica que ocorre a reboque. Há algumas ações pontuais, mas ainda há necessidade de mais velocidade e maior ampliação das experiências exitosas no manejo da saúde da pessoa idosa e das enfermidades mais prevalentes”, avalia. E completa: “Os serviços de saúde ainda estão estruturados no atendimento de doenças e de infecções agudas, em vez de estarem focados na prevenção e na necessidade de cada pessoa idosa conforme envelhece. O modelo de assistência atual torna o cuidado bastante fragmentado e gera um custo maior para o sistema”.
Para Cechin, a reestruturação etária do país vai demandar a busca de novos caminhos para a área da saúde, inclusive regulatórios. Ele lembra que, à medida que a população vive mais, surgem demandas até então menos relevantes no contexto social do país. Uma delas é por casas de longa permanência, sobretudo em função da menor taxa de natalidade. “Serviços de saúde de longo prazo vão passar a ser mais necessários. As casas de longa permanência e serviços de cuidadores são exemplos. Atualmente, o SUS e os planos de saúde não são obrigados a ofertar esses serviços. Mas é um ponto de atenção porque pode haver uma pressão nesse sentido. Para onde vão as pessoas que ficarem incapazes de se cuidar sozinhas e que não têm familiar? Eu não sei a saída ainda, mas é uma questão que o governo terá que pensar”, afirma.
Atualmente, os custos para se manter em moradias especializadas para atender idosos não são acessíveis para qualquer faixa de renda. Para que as pessoas 60+ consigam ter qualidade na moradia e ainda arcar com um plano de saúde para ter maior oferta de atendimento médico, a tendência é apertar o orçamento dos próprios idosos e de seus filhos e netos.
Sandra Maria Xavier, de 81 anos, é uma exceção nessa realidade. Economista que trabalhou no setor financeiro e como professora universitária, ela se planejou para garantir segurança financeira na terceira idade. Por isso, consegue garantir os altos custos de um residencial de alto nível na região Centro-Sul de Belo Horizonte e de um plano de saúde. “Desde cedo, as pessoas deveriam se planejar para morar em um residencial quando forem idosas. É importante já na juventude escolher um planejamento que esteja dentro das possibilidades financeiras e investir nisso”, recomenda Sandra, que fez vários tipos de investimentos ao longo da vida para garantir essa tranquilidade.
Como não há no país uma cultura de planejamento financeiro enraizada, Sandra, de fato, é uma exceção. Cechin acredita que o aumento da demanda por serviços não previstos no rol de procedimentos deve elevar a judicialização, já em alta no setor. Outro estudo do Iess, com base em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mostra que a busca por tribunais para garantir serviços em saúde suplementar cresceu 112% de 2020 a 2024, alcançando 298,7 mil novos processos em 2024. Entre 2019 e 2023, a judicialização representou R$ 17,1 bilhões em custos para a saúde suplementar, segundo dados da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). A previsão do Iess é que o volume de ações deverá superar 900 mil processos anuais até 2035, pressionando ainda mais a sustentabilidade financeira do setor e reforçando a necessidade de soluções coordenadas entre os diferentes atores institucionais.
Em nota enviada à reportagem, a ANS – agência reguladora dos planos de saúde no país – concorda que o aumento de beneficiários com mais de 60 anos “revela desafios centrais para o presente e, principalmente, para o futuro, com o avanço das doenças crônicas; a necessidade de colocar o paciente no centro do cuidado; a manutenção do equilíbrio entre receitas e despesas crescentes e a integração das informações”. Em outras palavras: cuidar de uma população que convive mais tempo com doenças vai custar mais caro para o sistema.
Para se ter uma ideia do tamanho do prejuízo, segundo o Iess, apenas o custo médio de gastos assistenciais com obesidade por beneficiário de planos de saúde, estimado em R$ 2.200 em 2020, pode atingir R$ 3.100 em 2030. Um crescimento de 42% em uma década. A obesidade, que atualmente representa quase 10% dos gastos registrados na saúde suplementar, deve passar a ter uma representatividade de 46% da despesa assistencial do setor.
No SUS, a obesidade como fator de risco para hipertensão e diabetes gera custos de R$ 1,42 bilhão por ano, segundo o Iess. A Secretaria do Tesouro Nacional estima que o envelhecimento da população brasileira vai elevar os gastos públicos com serviços gerais de saúde em R$ 67,2 bilhões entre 2024 e 2034. O dado foi incluído no Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) apresentado pelo governo ao Congresso Nacional em meados de abril. A alta reflete uma maior necessidade de recursos para assistência farmacêutica, incluindo o programa Farmácia Popular, para atendimentos hospitalares e ambulatoriais.
Questionado sobre esse impacto em função da mudança na pirâmide etária do país, sem citar cifras, o Ministério da Saúde respondeu, em nota, que tem várias ações em curso para ampliar a resposta do SUS ao envelhecimento do país. Entre as ações em andamento está a inclusão do Indicador do Cuidado da Pessoa Idosa no cofinanciamento da atenção primária, além da Avaliação Multidimensional da Pessoa Idosa no Prontuário Eletrônico, que identifica riscos clínicos e funcionais.
A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa as maiores operadoras de planos do país, também garante que há um investimento contínuo em programas de prevenção, acompanhamento e manejo de condições crônicas, como diabetes, hipertensão, doenças cardíacas e renais. “Essas iniciativas são fundamentais para melhorar a qualidade de vida dos beneficiários, ampliar a adesão a tratamentos, evitar complicações clínicas e reduzir internações evitáveis, que são mais frequentes entre pessoas com quadros crônicos”. Além disso, as operadoras oferecem programas com acompanhamento remoto, educação em saúde, telemonitoramento e cuidados coordenados.
com informações O TEMPOFoto: Espacial FM
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